Infectologista Antônio Bandeira, um dos primeiros médicos a identificar o vírus no país, alerta que o saneamento é essencial para combater a epidemia.
O vírus Zika apareceu em 2015 como novidade para o brasileiro, mas trouxe de volta para o centro do debate um velho inimigo da saúde pública no país: o mosquito Aedes aegypti. Antes conhecido como “mosquito da dengue”, ele passou a ser ainda mais temido após a descoberta de que também transmite o vírus Zika. Por essa razão, as principais medidas para frear a doença foram focadas no combate ao vetor. Nesta sexta-feira (11) completa um ano desde que o Ministério da Saúde decretou a epidemia como Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
Com a nova ameaça, os recursos federais destinados ao combate ao mosquito foram ampliados. Os valores cresceram 39% desde 2010, passando de R$ 924 milhões naquele ano para R$ 1,29 bilhão em 2015, segundo o Ministério da Saúde. Para 2016, o valor chegará a R$ 1,87 bilhão. Entretanto, a falta de saneamento básico aparece, mais uma vez, como complicador para combater o mosquito e penaliza a população que vive em regiões mais pobres e menos atendidas pela rede de esgoto.
A epidemia do vírus Zika atingiu todas as regiões do país, mas as cidades mais afetadas estão concentradas na região Nordeste. Os estados que lideram o ranking da epidemia – Pernambuco, Paraíba e Bahia – apresentam os piores indicadores de saúde, educação e renda, de acordo com o ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “Dengue, zika e chikungunya estão em contextos de descalabros, onde falta saneamento básico, água potável e coleta de lixo”, afirma a médica Jurema Werneck.
O infectologista Antônio Bandeira, um dos primeiros médicos a identificar o vírus no país, alerta que o saneamento é essencial para combater a epidemia. “Se em uma palavra a gente pudesse tentar resumir onde o vírus Zika poderia ser melhor controlado, eu diria no saneamento básico. Hoje, esse mosquito consegue se reproduzir em águas sujas, então, a forma de você trabalhar isso é você melhorar as condições de vida, é você ter esgotamento sanitário em 100% do país”, critica.
De acordo com os últimos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o país tem mais de 35 milhões de brasileiros sem acesso aos serviços de água tratada, metade da população sem coleta de esgoto e apenas 40% dos esgotos são tratados. Na região Nordeste, esse índice é de apenas 28,8%.
Nas 27 unidades da Federação e em 1.700 municípios foram montadas as chamadas salas de situação para monitorar os focos de proliferação do mosquito. Na sala de situação da Secretaria de Vigilância Epidemiológica da Paraíba, diversas imagens de focos de mosquito chegam a todo instante pelo aplicativo “Aedes na Mira”. “Quando recebemos a denúncia por meio do aplicativo ou da central que funciona aqui na sala de situação, essa denúncia é encaminhada ao gestor municipal da saúde. Por sua vez, a equipe da vigilância ambiental vai até o local da denúncia e faz o tratamento do possível foco”, explica Talitha Lira, coordenadora da sala de situação estadual da Paraíba.
As denúncias são encaminhadas para os gestores municipais para que tomem as devidas providências, mas o retorno tem sido baixo.“É necessário que a população se envolva também nesse processo. Não é só a questão do movimento de saúde. É necessário que o recolhimento de lixo esteja adequado, questões de saneamento básico também estejam dentro do esperado para minimizar os riscos da proliferação do mosquito e consequentemente o adoecimento da população”, recomenda a gerente executiva da Vigilância em Saúde da Paraíba, Renata Nóbrega.
A preocupação é que a epidemia volte a se espalhar, principalmente entre as mulheres da periferia, onde nem as profissionais de saúde ficaram livres do Aedes. A técnica de enfermagem Vilma Martins, que mora e trabalha na periferia do Recife, já teve dengue quatro vezes e ainda se lembra dos fortes sintomas da chikungunya. “É difícil você se levantar, difícil sair da cama, você passa pelo menos uma semana com dificuldade. Minha filha teve e ela precisou entrar no hospital de cadeira de rodas porque não conseguia andar”, conta Vilma.
Líderes comunitárias de bairros mais atingidos pela epidemia reagiram às campanhas de prevenção e combate do surto, que focaram na ação de limpeza e faxina dos ambientes domésticos, na manutenção de telas em portas e janelas e do uso de repelentes e roupas compridas em cidades com altas temperaturas durante todo o ano.
“Existe sim uma tentativa do Estado de colocar nas nossas costas o problema do mosquito, quando a gente sabe que o mosquito é uma faceta da subtração de direitos, principalmente no que se refere à saúde, ao saneamento, à moradia, à educação”, reclama Rita de Cássia Pereira, líder do grupo de mulheres do Alto das Pombas, em Salvador (BA).
A resposta brasileira à epidemia do zika é elogiada por muitos especialistas e instituições de saúde. Os institutos de pesquisa brasileiros se destacaram na busca de informações e novas tecnologias que pudessem esclarecer as consequências do vírus e o país tornou-se referência mundial.
Assim que decretou a emergência nacional, o Ministério da Saúde criou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes aegypti e à Microcefalia, com medidas emergenciais de combate ao mosquito, e publicou protocolos que recomendam a notificação de todos os casos suspeitos de microcefalia, inclusive por infecção do vírus, no Sistema Nacional de Agravos e Notificação (Sinam) e no Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP).
Mas, no que diz respeito a assistência às mulheres, pesquisadores e ativistas consideram que o Estado deixou a desejar. A secretária da Mulher do estado da Paraíba, Gilberta Soares, chama a atenção para a necessidade de se pensar no impacto da epidemia sobre a mulher. “Diante de uma epidemia a gente vê que uma preocupação inicial foi com o feto, com a saúde das crianças, e é justo que se tenha essa preocupação. Mas é importante que haja um equilíbrio na atenção à mulher, do que impactou na vida delas, de quantas desejaram, planejaram essa gravidez e se depararam com um filho que vai trazer uma série de consequências para sua vida”, afirma.
A ONU Mulheres avalia que o Estado foi rápido em identificar o problema e fazer o alerta para limitar os danos. Mas observa que a questão feminina foi deixada em segundo plano. “No primeiro momento da crise, a resposta foi adequada. Em outros lugares os governos não teriam dado informação tão rapidamente sobre a epidemia, sobre o vírus, sobre os efeitos. Mas, o que ficou um pouco de lado foi a questão de quem são as mais afetadas porque. Por enquanto, a gente sabe que são as populações que têm menos acesso a serviços básicos e a questão de reconhecer as mulheres como sujeitas de direitos, com necessidades, não só no papel delas como cuidadoras”, esclarece Nadine Gasman.
A professora de medicina da Santa Casa de São Paulo, Tânia Lago, cobra mais atenção do Estado, em especial com os testes virais e os serviços sociais. “Eu acho que a epidemia trouxe desafios que afetam muito rápida e gravemente a vida das mulheres e nós precisamos ter a mesma rapidez para responder a essas necessidades. Infelizmente, o Brasil ainda não mostrou essa presteza. Até hoje as mulheres do Recife não receberam o repelente que foi prometido meses atrás. O próprio acesso ao teste para diagnóstico de zika tem sido muito difícil”, avalia.
(Agência Brasil)